segunda-feira, 12 de julho de 2010

Ser ou não ser...pequena reflexão sobre nós mesmos

I -  Cronos de curvo pensar: A força da natureza



Na teogonia Grega, Cronos de “curvo pensar” numa ação refletida decepa o pênis do pai maldito, Urano, o pai do céu, tomando-lhe o poder, tornando-se o senhor dos deuses. Ao decepar pênis este se ejacula e no mar nascem as ondas e no meio destas Afrodite, que em grego significa “amor-do-pênis”.


De um mesmo ato, psicologicamente, Cronos livra-se da opressão paterna, sucedendo-o simbolicamente com a nova energia criadora que se estabelece e ainda dar, no âmbito da psique, a separação do amor fraternal, representado por Eros, e o amor sexual, agora personificado em Afrodite.

Este deus(Cronos), ou homem desta época histórica é ligado à fúria à força da natureza primeva, desprovido de sofisticação, toda as suas demandas são revolvidas pelo ethos da hybris. Medir forças e o mais forte vencer é uma imposição da natureza adversa em que se vivia, não havia tempo para reflexões filosóficas da necessidade de mediar à disputa de forma a debater-se e decidir-se de forma pacífica os conflitos. Mais ainda a definição daquele que deve liderar o grupo não pode haver dúvida de seu poder, inclusive o sexual de dar a reprodução não apenas às mulheres, mas o exemplo à natureza.

II - Hamelet - O príncepe Filósofo



Com Hamelet teremos a oportunidade de acompanhar uma sucessão traumática de duplo caráter, o jovem tem de matar não somente o pai(morto, mas insepulto, um fantasma a lhe assombrar), rei velho, mas também aquele que o matou, seu tio e corrompeu sua mãe.


O duplo fantasma: do pai que lhe exige vingança e do “novo” pai(seu tio Claudio) que lhe exige fidelidade ao seu reinado. Nesta confusão de sentimentos o príncipe filósofo, posto numa rude Dinamarca, solta talvez a mais crua e forte reflexão sobre as dúvidas que mais assolam a alma humana:

“Ser ou não ser... Eis a questão. Que é mais nobre para a alma: suportar os dardos e arremessos do fado sempre adverso, ou armar-se contra um mar de desventuras e dar-lhes fim tentando resistir-lhes?

Morrer... dormir... mais nada... Imaginar que um sono põe remate aos sofrimentos do coração e aos golpes infinitos que constituem a natural herança da carne, é solução para almejar-se.

Morrer.., dormir... dormir... Talvez sonhar... É aí que bate o ponto. O não sabermos que sonhos poderá trazer o sono da morte, quando ao fim desenrolarmos toda a meada mortal, nos põe suspensos.

É essa idéia que torna verdadeira calamidade a vida assim tão longa! Pois quem suportaria o escárnio e os golpes do mundo, as injustiças dos mais fortes, os maus-tratos dos tolos, a agonia do amor não retribuído, as leis amorosas, a implicância dos chefes e o desprezo da inépcia contra o mérito paciente, se estivesse em suas mãos obter sossego com um punhal? Que fardos levaria nesta vida cansada, a suar, gemendo, se não por temer algo após a morte - terra desconhecida de cujo âmbito jamais ninguém voltou - que nos inibe a vontade, fazendo que aceitemos os males conhecidos, sem buscarmos refúgio noutros males ignorados?

De todos faz covardes a consciência. Desta arte o natural frescor de nossa resolução definha sob a máscara do pensamento, e empresas momentosas se desviam da meta diante dessas reflexões, e até o nome de ação perdem.…” (ATO III , Cena I)





Muitos de nós conhecemos os trechos iniciais do ..ser ou não ser... Raramente sabemos o momento em que são pronunciadas e as fatais conseqüências. O monólogo dar-se no momento crítico do livro, Hamelet já sabedor de que seu pai fora morto, sabe que seu novo “pai” é o assassino, mas a inação lhe consume e tira este longo debate de seu ser. No fundo o homem que aparece agora é o do renascimento que carrega o saber grego da alta cultura, mas agora é irresoluto, domina sua hybris, mas se revolta por não ser mais primitivo e dar cabo aos seus sofrimentos, que no fundo é o mesmo de Cronos, que de forma simplificada resolveu seus traumas em relação ao pai.

Porém este novo homem, mesmo vivendo na Dinamarca, já não “mata” o pai, ou os pais no caso, de forma literal, a sofisticação lhe impede de um simples ato morte, é mais complexo e sutil, agora ele reflete, pondera, tem medo dos seus atos e de suas conseqüências funestas, mas ao mesmo tempo lhe enche de ódio e revolta não dar cabo a sua angústia. Deste longo debate da consciência moral x consciência primitiva, nascerá o novo homem, que guerreia disputa poder, mas não é mais produto da natureza irracional.

Neste momento de tormenta que passo, lembrei vivamente deste monólogo, foi uma forma que encontrei de voltar a escrever, me abstrair das coisas que vivo intensamente. Estas reflexões que Hamelet fez, martelam na minha cabeça diariamente, tem coisa mais atual do isto?

Aos que querem conhecer mais profundamente a obra segue o link para baixá-la gratuitamente:


As análises mais interessantes que conheço são as de Harold Bloom, ele analisou o Hamelet em duas obras: Shakespeare - A Invenção do HumanoHamlet - Poema Ilimitado.