segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A herança ideológica que nos embrutece

"Meu caro amigo,toda a teoria é névoas; auriverde só a árvore da vida" ( Fausto - Goethe)

Mídia tradicional X patrulhamento ideológico

A perda de credibilidade da mídia tradicional, em particular no Brasil, deve-se não apenas por sua ideologia política, mas fundamentalmente por abandonar a busca da “verdade factual” – ela prioriza muito mais a sua ideologia a informar fatos e seus desdobramentos e significados na vida. Perde assim o monopólio da informação ou a fonte mais corriqueira de busca sobre os fatos.

Ao perder este monopólio, o que levou à perda de audiência, venda de jornais e revistas, cai o fundamental: receita. Por conseguinte, blogs, portais estão sendo alvos constantes do patrulhamento político e ideológico da velha mídia.

No entanto, do lado de cá estamos estreitando diálogo com setores e pessoas no mesmo patrulhamento político, ideológico e comportamental: ler os jornais ou ver TV é motivo de chacota e policiamento, como se conseguíssemos superar nossos próprios limites informativos ou produzir algo estruturado o suficiente para fazer-lhes frente.

Questão intelectual hoje

O pessoal comemora o sumiço do Diogo Mainardi da Veja, mas deveria entender que ele é apenas reflexo do refluxo intelectual dos dois lados. A direita teve intelectuais brilhantes, hoje se contenta com histriônicos como Reinaldo Azevedo, Merval Pereira, Miriam Leitão, Waak, Jabor, Sardenberg, pior, leva-os a sério.

Estou muito preocupado com nossa formação intelectual à esquerda, vivemos uma época muito pobre  intelectualmente, reflexo direto das quedas dos muros, Berlim e Wall Street. Os dois lados perderam pesadamente. Mas, do nosso “lado” a coisa continua mais complicada de se retomar, vejamos:

1)  A velha esquerda trotskista que se julgou vencedora com a queda do Muro de Berlim foi incapaz de apresentar qualquer projeto de sociedade socialista e democrática que animasse aqueles países da justeza de suas críticas ao stalinismo;

2) A velha esquerda stalinista, quase enterrada em 89, ressurge pós-queda de Wall Street, mas também não traz projeto de sociedade socialista que rompa com seu passado de crimes e erros na ex-URSS;

3) A direita que nadou de braçada nos anos 90/00 vive uma crise sem precedente, mas mantém controle social por falta de alternativa absoluta e não surgimento de uma nova esquerda;

4) Vivemos a contradição de termos uma vaga histórica à esquerda aberta, desde 2008, mas não temos projetos alternativos;

Portanto, não adianta festejar a crise da direita se não somos capazes de ocupar este espaço, faltam-nos teoria e prática revolucionária. Aqui as nossas heranças, trotskista ou stalinista, impedem qualquer avanço; a dificuldade de dialogar e o sectarismo tornam pejorativo o debate. Caímos muitas vezes nos jargões e estigmatizamos e, qualquer pensamento crítico, os que discordam destas correntes, estreitas e medíocres, são logo qualificados de “direita”.

Volto mais uma vez ao mestre William Shakespeare e a sua mais profunda obra, Hamlet. Neste dialogo entre Horácio e Hamlet, este critica fortemente certos costumes do povo dinamarquês – bem, parece que ouço no meu ouvido as mesmas palavras sobre os nossos próprios costumes:

Horácio – Já? Não ouvi; então não falta muito para

que o fantasma volte a aparecer-nos.

(Toque de trombetas e tiros de canhão atrás da

cena.)

Que significa esse barulho, príncipe?

Hamlet – O rei está acordado e dá banquete. Bebe a

valer, rodando tudo em torno. Cada gole de Reno é

por trombetas e timbales marcado, que o triunfo do

brinde lhe proclamam.

Horácio – É costume?

Hamlet – É, de fato. Mas a meu ver – embora aqui eu

tivesse o berço e a educação – é um desses hábitos

cuja quebra honra mais do que a observância. Essas

orgias torpes nos difamam de leste a oeste, junto aos

outros povos. Só nos chamam de bêbedos, alcunha

que nos deprime, por privar os nossos

empreendimentos, ainda os mais brilhantes, da

essência medular de nosso mérito. Isso acontece às

vezes noutros meios: se nasce alguém com algum

defeito ingênito – do que não é culpado, porque a

origem para si não escolhe a natureza, pelo excesso

de sangue, que, por vezes, os fortes da razão e os

diques rompem, ou somente por hábito, que estraga

a moral cotidiana – esse coitado, que leva pela vida

tal defeito, seja mancha do acaso ou vestimenta da

natureza, embora suas virtudes sejam tão puras

quanto a graça e em número infinito, no máximo de

nossa capacidade, perde no conceito geral por essa

falha. A massa nobre se torna recalcada e diminuída

pelo grão do defeito.



Os grifos são meus, para ressaltar que temos que romper com velhos hábitos, frutos de uma herança que nada nos dignifica, só nos empobrece, quando não nos embrutece mais ainda. Construir uma nova esquerda, um novo pensamento, uma nova prática, nos livrando de um passado funesto. Retomar o velho Marx, seus textos, que cada dia menos conhecem, abrir nossas mentes para a cultura, nos livrar do “Google” e dedicar mais tempo à teoria e a pratica humanista.