segunda-feira, 25 de abril de 2011

Crise Mundial e um Novo Mundo


Os elementos da Crise



Segundo matéria do caderno de Economia do Estadão deste domingo, 24/04/2011, “A dívida de um punhado de países ricos aumentou em US$ 16 trilhões (mais que o PIB americano) desde 2007, e atinge hoje US$ 42 trilhões, ou 61% do PIB global, representando uma das principais ameaças à recuperação da economia mundial”.

Ora, estamos vivendo um novo momento da crise iniciada em Setembro de 2008, mais precisamente a apresentação da conta salgada do resgate dos bancos e corporações feitas pelos planos de Bush I e II, e os três ajustes de Obama nos Estados Unidos. Apenas Bush injetou no sistema bancário americano combalido cerca de 1,5 Trilhões de Dólares que foi reforçado por Obama ainda na transição e nos seguidos ajustes de 2009, 2010 e o último agora de 2011.

Na Europa, na Zona do Euro - França, Alemanha e Inglaterra – também participaram do “salvamento” do sistema bancário mundial, numa cota menor, mas não menos significativa, algo como 1 Trilhão de Euros. O Japão vem ano a ano num processo crescente de endividamento público, agravado com a crise de 2008, também pagou sua cota com 800 bilhões.

A dívida pública que havia fechado 2007 em 26 trilhões, algo próximo a 47% do PIB mundial explodiu em menos de 3 anos para 42 Trilhões, apenas neste trio: EUA/ EU e Japão. Chegando assim a 61% da produção de riqueza anual de todos os países do planeta.

Ainda segundo o estadão: “O problema americano é que, com a crise global de 2008 e 2009 - e os grandes déficits públicos que foram usados como alavanca para relançar a economia -, a dívida pública explodiu.

Segundo os dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), a dívida bruta do governo americano saltou de 62% do PIB em 2007 para projetados 99,5% em 2011 (e deve chegar a 112% em 2016). “Hoje, a dívida está entre US$ 14 trilhões e US$ 15 trilhões.”

País


Divida Pública 2007


Divida Pública 2011


%PIB 2007


%PIB 2011


EUA


8,7


15,2


62


99,5


Zona do Euro


8,2


11,3


66


87


Japão


8,2


13,3


188


229


Fonte FMI



Economias falidas

O reflexo deste imenso endividamento é a degola das economias mais periféricas, como Grécia, Portugal, Irlanda e mais presente Espanha. Estes países que receberam grande inversão de capitais para se adequarem à zona do Euro, hoje estão totalmente insolventes, tecnicamente falidos, vivendo da esperança de aporte da Alemanha e do FMI.

As imensas subvenções européias ao sistema financeiro fez saltar o déficit publico de 3,3% em 2007 para 6% em 2009 e 2010, com cortes orçamentários para 2011 reduzir para 4,4%, sobrando assim pouco alento em salvar estes países que irremediavelmente sofrem todas as conseqüências do desastre econômico, apenas Espanha tem hoje 22,5% da população economicamente ativa desempregada. Portugal numa crise de governabilidade.

Esta realidade catastrófica é exposta neste momento de aparente calmaria, depois do colapso profundo de 2008 e 2009, 2010 ficou numa zona de baixa turbulência, pois o EUA provocou uma guerra cambial terrível despejando apenas ano passado 600 bilhões de dólares no mercado mundial sobrevalorizando moedas e tornando suas mercadorias competitivas.

Porém estas imensas dívidas pública, que provoca um déficit fiscal de 10% ano nos EUA, ameaça qualquer perspectiva, em curto prazo, de uma leve recuperação, o custo social é altíssimo, programas sociais, incentivos aos trabalhadores e desempregados são cortados e, paradoxalmente, produziu uma ampliação dos bilionários nos EUA nos últimos 3 anos. O resgate estatal se deu justamente para socorrer os mais ricos.

Estado de Bem estar Social dos Ricos

Ideologicamente chega a ser risível, todo o floreado do ultra liberalismo, teve sua morte na prática, não no discurso, no socorro do ESTADO aos ricos. Todos os anos de pregação contra o Estado, pelo seu fim, não resistiu à grande crise, todos os bancos que fizeram a maior ciranda financeira da história foi salvo com dinheiro público, com a possibilidade remota de um dia o Estado receber qualquer coisa de volta. Nem mesmo os famosos bônus milionários foram cortados nos pacotes de ajuda aos bancos e grandes empresas, daí se explicam o crescente número de bilionário na crise.

O próximo conflito interno americano será a eleição presidencial de 2010, Obama já se lançou, em algo inédito para padrão americano, um ano e meio antes do pleito. "O compromisso (entre os partidos) é a única alternativa ao suicídio econômico, portanto ele virá: a única pergunta é: depois de quanta deterioração?" - resume para o Estado o economista Barry Eichengreen, da Universidade da Califórnia em Berkeley.(Fonte: Estadão).

Logo no seu relançamento Obama prometeu cortar 4 trilhões da dívida em 4 anos e reduzir o déficit público para 3,5% até 2016, como bem definiu Clinton em 1994 na luta contra Bush Pai: “é a economia estúpido”  que explica a vitória ou derrota de um candidato presidente, assim será mais uma vez com Obama.

Porém a bolsa de apostas das agências de riscos e especuladores é que este interregno da crise terá seu fim em 2013 com uma nova e mais profundo crise de ajuste global, reduzindo em muitos os ciclos de grandes crises: "Os investidores estão preocupados com 2013, não com hoje, e foi também sobre 2013 que a S&P falou - estamos a dois anos da crise, em outras palavras", nota Einchengreen.

Marx define a Crise como sendo a “Pletora do capital” a sua expansão, abundancia é que leva a crise não sua falta. A superprodução de bens e capitais é a característica principal do ápice da crise, uma leitura vulgar, pensa que o contrário que leva à crise capitalista. A injeção dos Bilhões do FED combinado com o estoque de títulos por China e Japão (dois trilhões de dólares) é o epicentro da próxima crise global que se avizinha.

BRICS – Um mundo Novo


Quase um mundo à parte é a realidade dos BRICS( Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), mesmo depois da sacudida provocada pela crise de 2008, este conjunto de países que na prática pôs abaixo o G7 em nome do G20, experimenta uma situação econômica distinta e torna-se cada dia mais um modelo de expansão e crescimento à despeito da crise.


A iniciativa deste conjunto de países de buscar modelos alternativos ao capitalismo central, tem se demonstrado correta, mesmo na maior crise econômica mundial desde 1929, o abalo provocado foi relativamente baixo. Aproveitando-se de uma dinâmica econômica diferente, apostando em suas economias locais, cada um a seu modo enfrentou/enfrenta bravamente a crise sem reflexos graves aos seus povos.

A China que lidera o crescimento mundial neste novo século combina sua imensa população que oferece mão de obra abundante e relativamente barata, com um alto nível educacional, rapidamente se tornou a segunda maior economia mundial, é a grande compradora e vendedora do comercio mundial, uma agressiva estratégia levou que as empresas chinesas passassem de mera manufatura à grande produtora de valor agregado, com a introdução moderna parque tecnológico. Este imenso mercado é também hoje o maior consumidor de commodities mundial.

Suas imensas reservas, que hoje gira em 3,03 trilhões de dólares, fez dela a maior credora americana, apenas de títulos americanos os chineses têm 1,3 trilhões, cerca de 10% da dívida dos EUA. O BC chinês pensa em formar um fundo de investimento que pode potencializar ainda mais a economia chinesa, abreviando longos anos para alcançar a hegemonia mundial.

Fato que a falta de democracia para uma imensa classe média que se forma na China será um entrave no futuro, regime ultra centralizado do PC e sua velha burocracia será cobrado muito em breve, apenas em 2010 houve 13 milhões de petições diretas sobre abusos e desrespeitos aos direitos, é uma face invisível desta nova geração que vai querer poder.

A Rússia que era vista apenas por seu potencial bélico e suas imensas reservas de petróleo, também cresceu a taxas significativas até 2008, foi o elemento dos BRICS mais atingindo pela crise, pois sua economia depende diretamente das exportações para Europa e EUA, baseadas em petróleo. Mas os acordos com a China em 2009/2010, num grande movimento de aproximação voltou a crescer e espantar a crise. Grande problema russo continua sendo a pouca estrutura democrática e poucos dirigentes capazes de liderar o país.

A Índia é o país que aproveitou muito sua população com domínio do Inglês e virou uma grande plataforma de serviços globais, empregos de suporte técnico de grandes empresas, com imensos call centers se estabeleceram lá trazendo empregos e crescimento. Além disto, indústrias de software têm na Índia hoje uma das maiores plataformas mundiais, produz valor e inteligência. Há um amplo crescimento interno que sustenta suas taxas de PIBs, mesmo na Crise.

Sobre Brasil, tentarei escrever esta dinâmica em artigo autônomo, mas apenas para constar em consonância com os BRICS, o Governo Lula sem dúvida impulsionou as principais iniciativas do combate a crise, tanto no âmbito interno, como no front externo. A rápida e dinâmica recuperação de sua economia é objeto de estudo e debates no mundo, sua população e dimensão continental que combina crescimento, distribuição de renda com uma democracia ampla é o elemento mais destacado nos BRICS. Claro que há atrasos cruciais na Educação, Saúde, Infraestrutura, mas o país experimenta um dos mais longos e duradouros período de prosperidade, mais de 30 milhões saíram da miséria em poucos mais de 6 anos, a nova classe média já responde por 53% do PIB. Todos estes fatores serão trabalhados posteriormente com mais acura.

Crônicas do Japão X: Mundo do Trabalho II - a armadilha

 

Boas vindas (?)

Como falei no outro artigo sobre o local de trabalho, ele reflete a hierarquia da sociedade e do trabalho, a posição que você ocupa na mesa coletiva, quanto mais próximo da frente cargo mais importante, assim como nas mesas da frente quanto mais próximo do centro, cargo maior.

Nosso grupo de trabalho era formado por cinco pessoas nos apresentamos aos gerentes, entregamos os presentes e nada aconteceu, havia um lugar reservado numa mesa grande, e ficamos mais ou menos isolados das outras pessoas, ficamos à frente, perto das mesas gerenciais. Uma secretária nos informou do horário de almoço e que eles pediam “Bentô” que deveríamos pedir o nosso até as 10 horas da manhã.

Ficamos nos olhando, sem saber exatamente o que estava acontecendo, nosso Sensei (professor) estava em viagem viria apenas na semana seguinte. Até aí tudo bem, uma semana sem aulas, teríamos tempo de estudar materiais de trabalho, era um modelo novo de central telefônica que estava em desenvolvimento, assim acabaria sendo bom este tempo para um primeiro contato com o equipamento, manuais.

Mas havia algo estranho no ar, ficamos isolados, ninguém conversava conosco, exceto o protocolar Oyahô Gozaimassu (Bom dia) e o Oyassuminasai (boa noite, bom descanso). Aquilo incomodou, mas começamos a levar na boa, e como bons brasileiros, fomos fazendo brincadeiras, apelidos, piadas, sem nos expor muito, mas sempre rolava um clima mais “festivo” entre nós.



A armadilha

 



No quarto dia de trabalho já estávamos mais que à vontade, porém na hora do almoço ao descermos no elevador, estava bem cheio, um dos amigos, que era grande e estava bem gordo, recebeu uma piada em português até bom, “tem que fazer regime né, senão não cabe no elevador cheio”. Olhamos-nos meio espantados, um senhor japonês deu uma risadinha e saiu.

Quase não almoçamos, pois aquele senhor, ele se chama Tsuchiya, se sentava bem próximo de nós na mesa grande, ao voltar do almoço fui imediato ao lado dele e perguntei onde ele aprendeu português e tão bem. Ele disse que tinha morado no Brasil uns oito anos antes, tinha ficado um ano e dois meses aqui, e que estávamos cercados em todos os lados por pessoas que falavam português ou pelo menos entendia bem o que dizíamos mais ainda no final do dia eles se reuniam para mais ou menos passar a impressão de cada um sobre nós ao chefe.

Ou seja, caímos numa armadilha, e foi nosso primeiro choque de realidade de trabalho no Japão. Aquela semana “livre” no fundo era uma avaliação de comportamento, que dependendo, poderíamos até ser mandados de volta ao Brasil sem nem termos começado a trabalhar. No fundo, o amigo, ele se tornou grande amigo nosso até hoje, nos salvou de nossa própria tolice.

Nosso filme estava “queimado”, por sorte tinha feito um grande amigo, Yonekura, aqui no Brasil, que viera nos ajudar no começo da implantação do sistema celular, procurei desesperadamente o fone dele, e torci para que ele estivesse no Japão, pois ele trabalhava num departamento de trabalhos internacionais da empresa. Consegui falar com ele na sexta-feira e expliquei nossa situação. Ele deu risada e foi logo falando, vou marcar um jantar com todos estes chefes do escritório para apaziguar a situação.

Solidariedade de amigos

 

Semana seguinte ele fez um excelente meio de campo num jantar com boa parte dos caras do escritório, ele era chefe também e muito respeitado porque morou muito tempo fora do Japão. Reapresentou-nos para os chefes, falou que no Brasil tinha sido bem tratado por mim, aliviou a nossa parte.

Detalhe beberam muito, comeram muito também, entre nós tínhamos combinado pagar a conta, já estávamos preocupado com o valor, porque eles pediam de tudo, mas vai valer à pena. O certo é que no fim de tudo, umas 22 horas, lá tudo se encerra neste horário, Yonekura pediu a conta, lá vem à dolorosa, ele olhou o valor e deu ordem, para cada um deles pagasse uma parte de acordo com o cargo que ocupava, ainda saímos no lucro.

Figuras como Tsuchiya e Yonekura, que viveram fora do Japão, passam a ter uma visão mais aberta do mundo, respeitam os seus costumes, mas sabem da diversidade fora de lá. Sem dúvida, entendem melhor a vida, os costumes, sabe que determinadas idiossincrasias japonesas, como esta de querer “conhecer” quem os visita não é natural no mundo tão global.

Yonekura se definia como “carioca” e flamenguista, amava o Brasil, as pessoas, gostava de sair e de conhecer os lugares. Sempre que podia nos levava a restaurantes e bares, lugares escondidos que funcionavam até depois das 22 horas. Certa vez nos levou a um local, que parecia uma residência, na verdade era um pequeno restaurante caseiro, que tinha apenas três mesas. A especialidade era Yonesabe ( algo como cozido de panela), uma panela grande numa grelha cozinhava de tudo, pedaços de frango, peixe, frutos do mar e temperos variados, de vez em quando o dono do restaurante vinha com algo mais, e neste ínterim Yonekura ia mexendo a uma concha longa para dar o gosto. Um manjar dos deuses, feita ali na hora, ótima conversa, ele contando sobre o Brasil e a vida no Japão, talvez tenha aprendido mais ali de que em qualquer manual, ou artigo de jornal sobre os costumes e a essência daquele povo tão diferente e único.

Tsuchiya era um intelectual, engenheiro de telecomunicações estava migrando de telefonia para um novo ramo que estava surgindo: Internet. Ele trabalhava com Software aplicado, específico aos equipamento da Nec, pelo tempo de experiência já era uma espécie de consultor na empresa, como escolhera a carreira internacional, estava fora da hierarquia formal da empresa, apesar de ter cargo, na época era Shunin (chefe de seção), prestes a virar Catchô (Gerente médio), ele tinha apenas um subordinado e uma assistente. Foi um dos primeiros caras que conheci que estava saindo do mundo de telefonia e indo para o lado IP. Quando morou no Brasil, entre 1987 e 1988, além do português aprendeu a gostar de bossa nova, para minha surpresa conhecia quase tudo de Elis Regina, Tom Jobim. Falou-me, certa vez, que levara quase 50 LPs de música brasileira daqui. Era sempre um prazer conversar com ele, recentemente reencontrei-o no Facebook, vamos reativar a amizade.