quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Elomar - A poesia do sertão


Acordei muito cedo e no carro a chuva fina e constante distrai, O cd rola o grande álbum: Cantoria2(Kuarup1988), uma combinação de belas musicas e interpretações destes aedos nordestinos mais que Universais.

Quanto mais você se aproxima do Universal seu ethos local te chama ouvindo Ilmar,Geraldo Azevedo,Xangai e Vital Farias..sinto mais forte o meu nordeste, talvez as musicas,lamentos do sertão tenham uma ligação etérea, telúrica com mistérios de Eleusis dos velhos gregos..Terra,mitos e amores.

Homens ligados a terra, sustento, amor e vida. Fecundar ter esperança no porvir, as ilusões de colher que não vem.. Cantar as estações.. Vem ou não a chuva para que terra venha gerar e parir seus frutos.

Central deste CD é Elomar com sua poesia operística, mais ligada a terra, ao Rio Gavião, sua mítica fazenda dos carneiros, é o poeta do estranhamento, das letras que misturam português provençal a linguagem do matuto, do sertanejo. A poética sofisticada parece simples para gentes da cidade, das letras, mas fruto de elaboração rude e crua do homem-terra.

Quem tiver curiosidade sobre Elomar ( http://www.elomar.com.br/ )  conhecerá sua história no portal dele, segue uma pequena demonstração de sua musicalidade:

O Pidido


Já qui tu vai lá prá fêra
Traga di lá para mim
Agua do fulô qui chêra
Um nuvelo e um carmim
Trais um pacote de misse
Meu amigo ah se tu visse
Aquele cego cantadô!
Um dia ele me disse
Jogano um mote de amô
Qui eu havéra de vivê
Pur esse mundo
E morrê ainda em flô
Passa naquela barraca
Daquela mulé reizêra
Onde almuçamo paca
Panelada e frigidêra
Inté você disse uma lõa
Gabano a boia bôa
Qui das casa da cidade
Aquela era a primêra
Trais pra mim vãs brividade
Qui eu quero matá a sôdade
Fais tempo qui fui na fêra
Ai sôdade...
Apois sim vê se num isquece
Quinda nessa lua chêa
Nós vai brincá na quermesse
Lá no Riacho d'Arêa
Na casa daquêle home
Feitecêro e curadô
Que o dia intêro é home
Filho do Nosso Sinhô
Mais dispois da mêa noite
É lubisome cumedô
Dos pagão qui as mãe isqueceu
Do batismo salvadô
E tem mais dois garrafão
Cum dois canguin responsadô
Apois sim vê se num isquece
De trazê ruge e carmim
Ah se o dinheiro desse!
Eu quiria um trancilin
E mais treis metro de chita
Qui é preu fazê um vistido
E ficá bem mais bunita
Qui Madô de Juca Dido
Qui Zefa de lô Joaquim
Já qui tu vai lá prá fêra
Meu amigo trais
Essas coisinhas para mim...





Trata-se um bilhete que a moça escreve com suas encomendas ao amigo que sai da fazenda e vai a cidade na feira, cada verso é um pedaço da ilusão e sofrimento do sertão, bem como das esperanças de vida nova.

Cantiga de Amigo




Lá na Casa dos Carneiros onde os violeiros
vão cantar louvando você
em cantiga de amigo, cantando comigo
somente porque você é
minha amiga mulher
lua nova do céu que já não me quer
Dezessete é minha conta
vem amiga e conta
uma coisa linda pra mim
conta os fios dos seus cabelos
sonhos e anelos
conta-me se o amor não tem fim
madre amiga é ruim
me mentiu jurando amor que não tem fim




Lá na Casa dos Carneiros, sete candeeiros
iluminam a sala de amor
sete violas em clamores, sete cantadores
são sete tiranas de amor, para amiga em flor
qui partiu e até hoje não voltou
Dezessete é minha conta
vem amiga e conta
uma coisa linda pra mim
pois na Casa dos Carneiros, violas e violeiros
só vivem clamando assim
madre amiga é ruim
me mentiu jurando amor que não tem fim




Lá na Casa dos Carneiros, sete candeeiros
iluminam a sala de amor
sete violas em clamores, sete cantadores
são sete tiranas de amor, para amiga em flor
qui partiu e até hoje não voltou
Dezessete é minha conta
vem amiga e conta
uma coisa linda pra mim
conta os fios dos seus cabelos
sonhos e anelos
conta-me se o amor não tem fim
madre amiga é ruim
me mentiu jurando amor que não tem fim





A sutileza do louvor à amizade entrelaçada a dor da perda da mulher amada que morreu, a reunião dos cantadores para cantar para que ela volte e o fio de esperança brote no coração, que pode ser apenas o lamento de mais um ano de seca, sem florescer.

Às vezes me pergunto tem coisa mais universal que isto? Nós “mudernos” da cidade que mal criamos versos, desprezamos a beleza do homem que canta a natureza, a terra, a vida simples, rude, mas que transforma em estranha, portanto canônica, a poesia do campo.