quinta-feira, 10 de março de 2011

Governo Dilma nem começou e já tem epitáfio?

Polêmica boa entre companheiros que preservam o respeito e buscam construir um diálogo saudável no seio da esquerda é fundamental para entendermos o momento atual, a conjuntura política e econômica. A dinâmica da luta de classes e a posição daqueles que se advogam de esquerda e revolucionária.

A maioria sabe dos meus últimos dias, que não me permitiram dialogar com o companheiro Maurício  Caleiro. Tentei fazer isto com ele e a Maria Frô de forma limitada no texto anterior (“O mundo é um moinho” – a política também).

Porém, durante o carnaval, o companheiro foi mais fundo nas críticas ao governo Dilma Dilma e o retrocesso que a direita adora, agora não mais pontuais e sim globais, mais trabalhadas na Tréplica ao Alexandre Porto. Apresento as minhas considerações gerais de resposta aos dois textos do Caleiro.

Dilma e o retrocesso que a direita adora ou Esquerdismo do jardim da infância

Estivemos lado a lado na campanha por três motivos que Caleiro apontou

1)   Defesa do governo Lula e suas conquistas;

2)   Derrotar Serra e seu programa de extrema-direita;

3)   Derrotar definitivamente o neoliberalismo;

Particularmente concordo com as questões e elencaria mais outros, sendo o principal destes a falta de alternativa consistente à esquerda programática que rompesse com o sistema, o que nos reuniu no projeto pequeno-burguês radical do PT.

É preciso ter claro: o PT não se propôs em nenhum momento, nem em 2010, 2006, 2002, 1998 ou 1994, a romper com a institucionalidade burguesa, exceto em 1989, que tinha ainda um programa anticapitalista. Desde 1992, com o refluxo do Leste europeu, a queda do Muro de Berlim, a esquerda revolucionária refluiu no PT ou rompeu com ele, fundando pequenos partidos como PSOL e PSTU, que se propuseram como alternativas, mas que no fundo gravitam na órbita do PT, com suas famosas “exigências e denúncias”, a formulação trotskista inócua que impediu objetivamente uma conformação política programática forte e alternativa anticapitalista.

Já em 2003, nos primeiros meses do governo Lula, alguns parlamentares liderados por Heloísa Helena e Luciana Genro romperam com Lula, por acreditar que este traíra o programa histórico – pequeno erro, não leram ou não se deram o trabalho de perceber que tinha já 12 anos que o PT não se propunha algo diferente do que administrar o Estado burguês com mais “competência”, numa visão democrática e popular. Surgiu o PSOL que pouco ou nada de alternativa política programática, a meu ver, trouxe para o cenário político de esquerda.

Portanto, ao apoiar um governo de um partido como o PT é preciso ter claro: ele NÃO ROMPERÁ os laços com o grande capital. Tentará sempre que possível conciliar estes interesses em luta, procurará ampliar os espaços de participação política, mas muito se frustrará quem acha quem será totalmente distinto de um governo burguês comum.

Quem milita na esquerda não pode vir com um papo de “traição”, pois ou não leu o programa ou, pior. leu e não o entendeu. Fatalmente cairá no esquerdismo tardio, típico do jardim de infância. Alguns fundam outros partidos (PSOL, PSTU), que sem política global viram seitas ou grupamentos de tendências em lutas permanentes.

Economicismo, o que seria isto?

Caleiro corretamente aponta o corte de R$ 50 bilhões no orçamento como questão preocupante por seus impactos na vida do cidadão comum. No novo texto fala do aumento da taxa Selic e suas consequências de restrição ao consumo e ao crescimento. Vamos às questões para entendermos se realmente este é um retrocesso ou um recuo normal na economia.

Desde a grande crise, em setembro de 2008, o governo Lula apontou que saída seria o investimento pesado do Estado, incentivando o crescimento com desoneração fiscal (IPI, PIS, Cofins), gerando compras corporativas estatais com grandes obras (PAC), apostando que num horizonte de curto prazo a economia mundial volte a crescer.

Os resultados todos sabem: em 2009, praticamente tivemos um trimestre de forte retração e logo a seguir um período virtuoso de crescimento que culminou em 2010 com a taxa de 7,5%. Esta dinâmica foi conseguida graças ao grande trabalho do Estado, do governo federal, a ação positiva de Lula de ir a campo e liderar a retomado do crescimento, em desalinho ao que acontecia no mundo.

Porém, em longo prazo este crescimento isolado do Brasil, este vigoroso movimento, sem o devido acompanhamento externo, não se sustentaria: já em agosto de 2010, ainda sob Lula, teve início um movimento para frear a economia devido ao componente inflacionário, que em última análise pune os mais pobres. A dinâmica econômica era contida para um crescimento mais moderado que impedisse a volta da inflação, apostando numa retomado do mercado mundial.

Óbvio que Dilma, a grande gestora de todos os grandes programas de crescimento do governo Lula (PAC, Minha Casa, Minha Vida) é sabedora de todos os percalços e da necessidade de se redefinirem as prioridades do crescimento e a adequação do orçamento, que sempre vem “vitaminado” com emendas parlamentares, muitas, fisiológicas.

É preciso ter responsabilidade fiscal, que garanta, repito, nos marcos da administração do estado burguês, a gestão coerente, que possibilite no futuro ainda maior inclusão social.

Que Dilma honre os compromissos que a elegeramem dois meses?

Fico espantando com a pressa de que Dilma cumpra seus compromissos, tudo em dois meses; esta mesma pressa levou muitos companheiros ao PSOL, queimou pontes e hoje amargam isolamento político – muitos ficam apenas gravitando eternamente na órbita da estrela maior.

As medidas econômicas duras, ao contrário do que se diz, já estavam sendo tomadas no governo Lula: o ministro da Fazenda é mesmo, o BC, aliás, melhorou com a saída de Meireles. Este período de ajuste é necessário e, dando crédito ao que diz Mantega, no segundo semestre começa a mudar.

Mas a pressa ou as frustrações imediatas muitas vezes falam mais alto do que a razão – mesmo que o companheiro não aceite o argumento histórico, vivemos de análise da dinâmica histórica. O governo Lula também sofreu no começo com a herança de FHC, péssima em todos os sentidos, mas o horizonte de crescimento mundial também nos favoreceu. Agora estamos numa situação inversa: a herança de Lula é boa, mas o horizonte externo é nebuloso e complicado.

Outra coisa engraçada é que só se reforça o que aparentemente é ruim no “economicismo” ou nos ministério que têm retrocessos. Mas por que nada se fala do aumento das verbas para saúde? aumento do piso dos professores com repasse de 1 bilhão do Fundeb? Ou da mudança de comando da Funasa, de Furnas, dos ministérios da saúde e de comunicações?

Sinceramente, nunca ouvi de Erundina que romperá com o governo Dilma porque Kassab ou Katia Abreu (esta nunca ouvi dizendo que nos apoiará) fundarão partido para irem para a base de apoio. Base de apoio a governos centrais é “rede de arrasto”, vêm apoios os mais cretinos possíveis. Por exemplo, Maluf é da base, Collor, Sarney, mas a pergunta é bem objetiva: são estes que dão a dinâmica do governo??

Mais uma vez apelo à razão, à calma na análise: sei que a dinâmica do debate não é ruptura, mas determinados argumentos assacados são francamente impróprios pelo pouco tempo de governo. Vamos ficar jogando água quente na fervura por que mesmo? Temos outro projeto político a construir? Outras forças sociais surgiram nestes dois meses que nos permitam apontar uma ruptura?