sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Jericoacoara e Pilar del Río: Paixão e Emoção

(escrito durante Vôo Salvador -BH-SP)

Quando estou num avião raramente ligo o computador, espaço ruim, inadequado para ler ou escrever, em geral leio as revistas da companhia e/ou as minhas próprias. Como de costumes peguei a revista da Tam e li a reportagem sobre Kenzo Takata, estilista japonês que se erradicou em Paris e brilhou na moda por seus vestidos e seus perfumes, bela história. Porém as matérias sobre Jericoacoara e Pilar del Río me fizeram escrever este post.

Jericoacoara: A visão do Paraíso na terra



Aí mais em frente leio a reportagem sobre Jericoacoara, esta praia faz parte de mim por fatores totalmente estranhos  e engraçados. Quando tinha 5 anos minha mãe, que era diretora de uma escola pública em Bela Cruz, local que nasci, organizou um passeio a Jeri em comemoração ao dia dos professores, isto foi em 1974. Lembro que fomos todos numa noite,era uma sexta, no caminhão do meu pai  adaptado com bancos na carroceria para nos levar até lá.

A viagem,cerca de 60 km foi muito animada, professores declamando poesias ou cantando, meio sem querer eu acabei cantando o “sucesso” da época: “o gato preto cruzou a estrada, passou por debaixo da escada”...(Secos e Molhados), Naquela noite de lua e estrelas nunca saiu de minha memória(talvez tenha sido porque fui muito festejado cantando versos trocados).

Ali começou minha relação com Jeri e suas muitas histórias, a da lagoa que se abria a noite e saía uma mulher que seduzia os homens, que os levava até sua areia, e a lagoa aberta enganava p incauto atraído pelo desejo provocado pela “Iara” entrava e quando se davam conta estavam afogados pela paixão. Esta lenda povoou meus pensamentos por muitos anos. Meu pai contava esta estória, certa vez um amigo acabou escrevendo uma peça para grupo de teatro da Escola Técnica.

Dali outra grande lembrança foi em Novembro de 1987, Jeri já fora descoberta pelos primeiros turistas, saí de Fortaleza e me aventurei sozinho até lá. Viagem cheia de significados, fui de ônibus até Gijoca, cheguei lá bem tarde, procurei uma caminhonete que fazia a última parte do trajeto. Subi na carroceria, surpresa, meu amigo de infância era o motorista e seu primo o “cobrador”, velhas história e lembranças, mas primeiro sinal de que tudo mudara. Ele se juntou a uns turistas e começaram a enrolar “baseado”.

Jeri, já não era mais aquela vilarejo que fora tragado pelas dunas muitas vezes, já tinha pequeno comercio e pousadas. Antigos pescadores que meu pai muitas vezes ia buscar peixes para levar para Fortaleza, já não pescavam, os “currais” para pesca tinham sido destruídos e o peixe estava longe do litoral, tinha que se aventurar ao mar em busca dele. Muitos tinha adaptado suas casinhas simples para alugar quartos ou até apenas rede no quintal.

Duas coisas inesquecíveis o mais lindo por do sol da minha vida nas dunas, 8/11/1987, sol se pondo no mar como se fosse mergulhar na linha do horizonte, do outro lado olhando por trás das casas do vilarejo uma lua imensa prateada subindo lentamente. Ler a matéria e lembrar destes dois fenômenos me fizeram vir as lágrimas.

Pilar del Río



Páginas depois leio sobre Pilar del Río a grande companheira de José Saramago. Quem está propenso a chorar nada melhor do que ler sobre ela e seu relacionamento com ele. Pilar e Saramago se conheceram por acaso e viveram uma grande paixão, mesmo sendo bem mais velho que ela(28 anos) ela lhe floresceu o coração e alma.

Mudaram-se para Lanzarote nas Canárias em protesto por Portugal negar prêmio ao Livro “Evangelho Segundo Jesus Cristo”, uma intolerância sem medida. Aí relembrei como degustei cada palavra, e as poucas vírgulas e pontos deste grandioso livro. Pensei que Saramago fê-lo de propósito para nos tirar sempre o fôlego e não deixar parar a leitura.

As luzes que Pilar viu sobrevoando Lanzarote, me fez lembrar a luminosidade que senti em Jeri em 1987. Mulher apaixonante, que viveu um amor por toda vida, as formas e dedicatórias dos vários livros que Saramago lhe fez mostram este grande amor, até na frase dele em reclamar por que Pilar “demorou tanto a aparecer em sua vida” me emocionou.

Outra coisa que li deles e fiquei tocado foi Saramago parar os relógios da casa às 16 horas em homenagem ao horário da primeira vez que olhou para Pilar, tem coisa mais apaixonada que isto?

Muitas vezes não nos damos conta de momentos incríveis que vivemos ou lugares que conhecemos, mas, invariavelmente, em algum lugar da memória elas ficam guardados e são despertados vivamente e nos emocionam profundamente.

Quem não leu Saramago acorde, ainda há tempo e muita razão para fazê-lo. E quem nunca foi a Jericoacoara não deixe ir, escolha um dia de lua cheia, talvez no primeiro ou segundo dia, tenha certeza que você nunca esquecerá do que verá, ah sim como diz a matéria, pode bater palmas à vontade quando o sol avermelhado sumir no mar, deus sabe que é agradecimento pelo espetáculo.