terça-feira, 5 de abril de 2011

Alceste: Amor ou Morte


Alceste

Eurípedes



de sacrifícios sangrentos estão cheios os altares de todos os deuses. Mas não há remédio para os males!



Tema: Tragédia. Amor.

Resumo: Admeto com ajuda do Deus Apolo escapa à morte, porém um ente querido deve substituí-lo, a única pessoa que aceita o sacrifício é sua esposa Alceste .

O Livro



Admeto grande rei da Tessália, por desejo dos deuses deve morrer, porém, neste ínterim ele hospeda o Deus Apolo, que como castigo tem que viver como empregado por um ano à serviço de um mortal. Como Admeto,  sem saber que se trata de um Deus, recebe muito bem seu empregado, Apolo, agradecido, sabendo do destino de Admeto engana as Parcas (emissários de Tânatos(Morte)).

Pouco depois o próprio Tânatos sabendo do ardil de Apolo aceita a troca de Admeto por um parente próximo, desde que aceito espontaneamente. Os pais de Admeto, mesmo idosos, recusam-se a morrer, Admeto não quer que os filhos pequenos cumpram a promessa, sua linda e jovem esposa, Alceste, por grande amor ao marido, oferece-se para cumprir o sacrifício.

(...)

Admeto Ergue-te, infeliz, não me abandones; aos deuses poderosos suplica misericórdia.

Alceste Eu vejo, eu vejo num lago um barco de dois remos; e o barqueiro dos mortos, com a mão na vara, Caronte, já me chama: “Por que esperas? Apressa-te; estás a demorar-me!”

Assim, impetuoso, ele incita-me.

Admeto Ai de mim! A viagem de que falas é cruel. Ó infeliz, quanto nós sofremos!

(Alceste, com um grito de terror, debate-se nos braços de Admeto.)

Alceste Levam-me, levam-me, levam-me – não vês? – para a morada dos mortos. Sob o azul escuro das sobrancelhas, olha-me Hades, alado. Deixa-me estar. Que fazes? Larga-me. Que caminho sigo eu, desgraçada!

Cumprindo-se o fúnebre destino Alceste morre deixando desolado esposo e filhos, uma grande tristeza abate-se sob a Tessália. Por este tempo de passagem rumo ao seu 8º trabalho, Heracles, passa em visita ao seu amigo Admeto, como sempre é muito bem recebido, apesar da tristeza, sem o revelar o motivo, oferece amplo banquete e pompa. Heracles fica mais uma vez encantando com a hospitalidade que Admeto lhe faz.

(...)

Admeto De modo nenhum, senhor! Que eu não tenha de sofre essa desgraça!

Héracles Na infelicidade, a chegada de um hóspede é importuna.

Admeto Quem morreu está morto. Entra, pois, em casa.

Héracles Não fica bem a ninguém banquetear-se junto de amigos que choram.

Admeto Levar-te-emos para os quartos de hóspedes, que são à parte



(...)

Coro Que fazes? No meio de tal desgraça, Admeto, tens coragem para acolher hóspedes? Porque essa loucura?

Admeto Acaso me louvarias mais se de casa e da cidade eu expulsasse o hóspede que chegou? Não, certamente, visto que a minha desgraça não se tornaria menor e faltaria aos deveres da hospitalidade. Aos meus males juntar-se-ia outro mal, se a minha casa ganhasse a fama de ser hostil aos hóspedes. Eu próprio tenho achado nele o melhor acolhimento, sempre que vou ao árido país de Argos.

Coro Por que motivo lhe escondeste então a presente desgraça, se vem como amigo, como tu próprio dizes?

Admeto Nunca ele quereria entrar em casa, se descobrisse algo dos meus sofrimentos. Haverá, bem sei, quem repute o meu ato insensato e pouco digno de louvor, mas o meu teto não sabe repelir nem desonrar hóspedes.

Durante a ceia Heracles percebe a tristeza generalizada dos criados e passa a inquirir sobre o fato, um deles conta-lhe que realmente todos sofrem pelo destino terrível da estrangeira morta que na verdade era Alceste a doce esposa de Admeto. Envergonhado com a situação, por não percebido o real mal que se abatera ao amigo, e ainda mais admirado pela acolhida num momento tão ruim, Heracles decide ir ao Hades trazer de volta a esposa do amigo.

(...)

Héracles (sozinho em cena.)

Ó coração que tanto tens suportado, e tu, meu braço, mostrai agora que filho deu Zeus a Tiríntia, nascida de Eléctrion, Alcmena. Preciso de salvar a mulher que morreu há pouco e de trazer de novo para esta casa Alceste, a fim de recompensar Admeto. Irei espiar a Morte, a senhora dos mortos de negro manto, e hei de encontrá-la, penso eu, junto do túmulo, a beber o sangue das vítimas. E se eu me precipitar do meu lugar de emboscada e a apanhar, envolvê-la-ei com os meus braços e não haverá ninguém capaz de libertar os seus flancos doloridos antes que me seja entregue a mulher. Mas se me falhar esta presa, se ela não se aproximar da oferenda sangrenta, descerei aos Infernos, às sombrias moradas de Core e do Senhor, e farei a minha súplica. Estou convencido de que trarei à luz do dia Alceste, para a entregar nas mãos do hospedeiro que me recebeu em sua casa, e não me repeliu, embora ferido por pesada desgraça, e que, num requinte de nobreza, me ocultou esses fatos, por respeito para comigo. Quem, entre os Tessálios, é mais hospitaleiro? Quem, entre os habitantes da Grécia? Nunca ele terá de dizer que usou com um homem perverso da sua generosidade

(...)

Usando de toda sua força Heracles toma Alceste da Morte, devolve ao amigo, não sem antes um grande dialogo entre eles, sem revelar de quem se tratava, Heracles oferece a jovem envolta de mantas ao amigo, dizendo-lhe que morta a mulher, melhor seria novo casamento, este se recusa terminantemente, sem a esposa nenhum mulher levará ao seu leito.


(...)

Héracles

Sim, o amor que se tem por quem morreu conduz às lágrimas.

Admeto

Fiquei destruído, mas do que poderia dizer.

Héracles

Perdeste uma nobre esposa. Quem o nega?

Admeto

De tal modo que já não tenho prazer na vida.

Héracles

O tempo suavizará o mal que agora está em pleno vigor.

Admeto

O tempo, sim, podes dizê-lo, se o tempo é sinônimo de morte.

Héracles

Uma mulher, outras núpcias te consolarão.

Admeto

Cala-te. Que dizes? Não quero acreditar.

Héracles

O quê? Não te casas mais, ficará vazio o teu leito?

Admeto

Nenhuma mulher ao meu lado se deitará.

Héracles

Julgas tu que isto tem alguma utilidade para a morta?

Admeto

Onde quer que ela esteja, devo honrá-la.

Héracles

Aprovo isso, sim, aprovo; ganharás fama de louco.

Admeto

Nunca me chamarás noivo.

Héracles

Louvo-te pelo amor fiel que tens pela tua esposa.

Admeto

Que eu morra, se a trair, embora ela já não exista.

(...)

Pequeno Comentário

“Quem está para morrer, é como se já estivesse morto, e quem morreu não existe.”

Fechando um ciclo que comecei com Antígone, depois Hipólito em que a Morte é o contraponto a algum bem, tão ou mais importante. Em Antígone foi à liberdade de fazer algo certo, dar às honras fúnebres ao irmão morto, enfrentando o edito proibitório do tio, a autoridade tirânica que é punida severamente. No caso de Hipólito sua castidade e devoção a deusa Ártemis é sua desgraça, pagando com a vida.

Neste novo caso é uma provação em que o Amor por excelência de Alceste ao marido faz com que ela prefira morrer em seu lugar, renunciando a vida, pelo amor, mesmo jovem, em flagrante contradição ao pai de Admeto, que mesmo idoso, não se dispõe a se sacrificar.

Tema subjacente é o da hospitalidade, mesmo diante de um mal terrível, Admeto recebe o herói Heracles, poupando-lhe de saber do que acontecia no palácio. A recompensa ao tratamento e ao seu imenso amor pela esposa faz com que Heracles lutasse contra Tânatos (Morte) pela vida de Alceste. Ela volta mais jovem e bela, o amor rejuvenesce.

Anexo - Livro em PDF: ALCESTE